quarta-feira, 6 de março de 2013

As Belezas da Campeira e sua fascinante cachoeira.



 

No calendário assinalava 23 de Junho de 1945, um dia de sábado, véspera de São João, festivamente comemorado no Nordeste, talvez mais ainda do que hoje. Fui levado por minha Mãe, Senhora Maria Humildes Campos Saraiva, carinhosamente chamada de D. Marica Saraiva, para conhecer a Campeira, cuja propriedade à época lhe pertencia. Ali chegava pela primeira vez, para conhecer a Campeira, que, apesar de humilde como me pareceu, deixou-me deslumbrado pelo que de atraente ali existia. Uma casa de campo singela, com pote contendo água fria e os copos de alumínio brilhando, ao agrado dos visitantes que chegavam pra matar a sede. O vaqueiro residente era o Senhor Cecílio Albino Farias e sua distinta esposa Senhora Santana Albino Farias, carinhosamente chamada de D. Santa e um casal de filhos, Luís Albino Farias, com 12 anos e o Odorico Albino Farias, com idade compatível à minha, que completava oito anos em agosto que estava chegando. D. Santa, com aquela hospitalidade distinta, nos aguardava com um farto jantar, acompanhado de milho verde, pamonha, canjica, melancia, macaxeira e outras iguarias da época, cultivadas na roça do casal, que fazia fartura de ano para ano, agradando os viandantes que por ali passavam. À noite, a fogueira de São João foi acesa e animada com fogos de artifícios que levamos para comemorar. Na manhã seguinte acordamos cedo para degustar o leite de cabra ordenhado na ora. Que gostosura! Tomamos aquele café saboroso rico em iguarias. E ainda fomos conhecer o Riacho da Mulata de águas límpidas, que ficava próximo da casa em que estávamos. Um pouco mais acima do Riacho, numas lindas pedras onde a água as cobria, visualizávamos cardumes de peixes, que ziguezagueavam diante de nossos olhos. Que maravilha! Dali fomos conhecer a Cachoeira da Campeira, uma obra fascinante do Criador. Água límpida, fria, sedutora, ao agrado de quem nela se banha. À época era pouco conhecida pelo difícil acesso para chegar até a mesma, em vista da estrada precária existente.  A cidade de Alto Longá, que dista 9 km da cachoeira, era pouco visitada pela estrada incompatível ao transeunte, que corria risco devido à péssima qualidade da mesma, com buracos, atoleiros, pedregulhos e outros obstáculos que dificultavam o trajeto. Minha cidade sofreu anos com a falta de estrada, desemprego, abastecimento precário, inexistência de energia elétrica, água encanada, saneamento básico e outras mazelas que aturdiram a nossa gente.
                Naquele belo fim de semana fomos conhecer a roça de Cecílio e D. Santa. Quanta fartura! Quebrávamos a melancia na pedra e após comer o miolo vermelho da mesma, jogávamos o resto fora e não fazia falta a ninguém, tamanha era a fartura! Cecílio Albino era um homem trabalhador e D. Santa o apoio dinâmico ao fertilizante trabalho que desenvolviam. Era uma mulher incansável. Lavava, passava, cozinhava e na roça pegava na enxada com o vigor de quem batalhava para vencer. Não era santa só no nome. Nessa labuta incansável, em caminho para a roça, foi picada, em duas ocasiões, pela temível cobra venenosa jararaca, que, felizmente, nada de pior lhe aconteceu. Assim foi a rotina de ambos, que durou longa caminhada. A Campeira é um recanto agradável. Era a área de lazer de maior predileção de minha dileta e saudosa Mãe, cuja memória guardarei para sempre em meu coração. Dali por diante aprendi o caminho e sempre que podia, ia por lá em cada final de semana e o banho na cachoeira, era de preferência primordial. Na ida seguinte à Campeira, levei como companheiro o amigo de infância Gilmar Freire, filho da inesquecível Professora Liduina Lima Freire, carinhosamente chamada de D. Dudu, esposa de Antônio Freire, o prestimoso Farmacêutico da cidade, dono da única Farmácia existente na época. O Gilmar ficou maravilhado com a Campeira e, especialmente, com a cachoeira. No Riacho da Mulata, em cima das pedras por onde a água passava, ficávamos um bom tempo tomando banho. E outras vezes, pescando com garrafa de fundo falso contendo farinha como isca, aqueles peixinhos maiores, que a D. Santa, a pedido nosso gentilmente preparava para saborearmos. Na roça o milho verde assado ou cosido estava a nossa espera, além do melão e da melancia gostosa, que aproveitávamos só o miolo vermelho. E por fim, o banho delicioso na cachoeira, que nos deixava bem feliz. Certa vez o jovem Luis Albino, corajoso e destemido, que estava em nossa companhia na cachoeira, presenciou um Jacaré na parte mais clara onde a água se juntava. Pediu que eu, Odorico e Gilmar nos afastassem. Cortou um galho reto, grande, de uma árvore próxima. Fez uma ponta aguçada em uma das extremidades. Subiu na parede esquerda da cachoeira. Mirou bem o jacaré. Lá de cima tentou enfiar a ponta da vara no corpo do mesmo. E quando movimentou os braços com vigor, caiu com vara e tudo em cima do jacaré, que fez um barulho estrondoso na água, nos assustando a mim, Odorico e o Gilmar. O Luís saiu rapidamente nervoso da água e o jacaré desapareceu aturdido com o zumbido forte que ocorreu. Foi um fato bisonho, que até hoje guardo com saudade nitidamente em minha reminiscência.
                               Já residindo em Boa Vista, depois de decorrido longo tempo, me preparei para ir de férias a Alto Longá. Antes de viajar, num bate papo amistoso com Pedro Henrique de Area Leão Costa, cunhado e amigo de infância, comentava da saudade que estava sentindo da Campeira e do banho agradável em sua bela cachoeira, quando aproveitaria para amenizá-la nos dias de lazer em que lá iria permanecer. Silenciou por um instante e surpreendeu-me com a lamentável notícia de que a Campeira não mais pertencia à família. E que já fazia bom tempo que a mesma havia sido vendida. Meus olhos marejaram na ocasião, considerando que a Campeira é parte intrínseca de minha vida, especialmente no período infanto-juvenil e primeiros anos da adolescência. Indaguei ao Pedro porque não tive conhecimento dessa transação. Disse-me que a Campeira havia sido vendida anos atrás por um ente próximo da família sem o conhecimento de ninguém. E, que, minha mãe, como uma pessoa de Deus, vendo o filho em apuros com a negociata, ratificou a transação da venda com os olhos em lágrimas, sem que a mesma e nem ninguém visse a cor de um centavo desse negócio. Pedi ao Pedro Henrique, na ocasião, que sondasse do atual dono da Campeira a possibilidade de me vender a propriedade, considerando a importância que ela representava para mim. E a resposta foi negativa e decepcionante. Passei minhas férias em Alto Longá num misto de alegria e tristeza que tomaram conta de mim a um só tempo. E nunca mais visitei a Campeira. Hoje, a Cachoeira da Campeira é um ponto turístico muito visitado pelos piauienses, principalmente os que vêm de Teresina e de suas adjacências. ”A bênção do Senhor enriquece, e, com ela, ele não traz desgosto.” (Provérbios 10.22).

Boa Vista – Roraima, 02 de Março de 2013.


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 Dr. FRANCISCO DE ASSIS CAMPOS SARAIVA
Oficial R1 do Exército e Empresário
Titular e Dir. Téc. do Lab. Lobo D’Almada
Membro da ALB e da ALLCHE
E-mail: ldalmada@hotmail.com

Um comentário:

  1. Foi um deleite ler sua postagem! Mudei para Teresina ano passado e os amigos falam muito da Campeira e marcamos um passeio para em abril eu conhecer o lugar.
    Parabéns pela linda lembrança!

    abraços

    Andressa

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